Nesse período, quase R$ 90 bilhões viraram pó, fumaça, cinza, pó, vento. Ainda assim, continua inflacionado artificialmente o valor real da corporação daquele que, no ápice desse crescimento, era o homem mais rico do Brasil e oitavo bilionário do mundo, com pretensões a ser o primeiro em mais dois anos.
É espantoso como esse “caso” não atrai o interesse em profundidade que merece, permanecendo na superficialidade do dito show-biz. É um retrato do Brasil dos nossos dias. Eike é o maior– mas não o único – dos aventureiros de mercado. Cheios de inteligência e argúcia, impetuosidade e falta de escrúpulos, voracidade sem qualquer freio ético ou moral, informações privilegiadas e elos secretos com quem pode produzi-las.
Por seus próprios meios, esses barões não teriam ido tão longe se, no início da sua caminhada, não tivessem participado, em posição vantajosa, do programa de desestatização. A venda de ativos do governo à distância de um efetivo controle da sociedade foi uma realização nociva do governo Fernando Henrique Cardoso.
FHC a herdou da administração Collor, que apenas abriu o caminho, com a desenvoltura que então poucos puderam perceber. Sob o tucanato, a venda do patrimônio público foi ampliada, multiplicada e levada ao extremo da irresponsabilidade, conforme admitido por um dos seus protagonistas.
O efeito multiplicador exponencial, porém, funcionaria a partir de 2003, com Lula e seus agentes aloprados (mas tão vivos, inteligentes e inescrupulosos quanto seus parceiros de negócios do outro lado do balcão estatal). Todas as amarras do controle externo foram liberadas graças aos programas de transferência de renda e de inclusão social.
Esses programas foram iniciados sob o império de FHC, mas mantidos em nível discreto pela idiossincrasia tucana pelo povo, cujo cheiro não recomendava a essas aves de bela plumagem maior aproximação.
Lula é povo e seus cônsules petistas dispunham (e ainda dispõem, já que permanecem com Dilma no poder) de ferramentas para seduzir, convencer e amortecer a grande clientela nacional. Um tanto de programas com um naco de recursos foi o bastante para engordar paquidermicamente a classe médiamade by PT, desde que seus integrantes se acomodem na faixa de rendimentos de até dois salários mínimos. Nada além de 700 dólares, o que, nos Estados Unidos e outros países de renda próxima, jamais poderia ser traduzido por classe média.
Para os ricos, as tetas cada vez mais gordas e úberes do Banco Nacional do Desenvolvimento e Social. Nunca, na sua história, parafraseando Lula, agora com plena propriedade, o banco fez tantos milionários e bilionários. Não é a toa que seu ativo supera o do Banco Mundial, algo simplesmente inimaginável pouco tempo atrás.
Como a receita própria do BNDES e suas fontes de recursos tradicionais não lhe permitem dar conta de tanta demanda, o tesouro nacional afrouxou os controles e sangrou as burras do erário para fomentar o incremento desejado.
A contabilidade foi devidamente maquilada para esconder as manobras com os números, embora, como seria de se esperar, não escaparam ao olhar clínico dos auditores (que provocaram a elevação do custo do dinheiro que o BNDES for buscar no mercado internacional).
Nem Juscelino Kubitscheck, em seus arroubos de meio século de desenvolvimento em cinco anos de mandato como presidente da república, nem Roberto Campos, o ideólogo do modelo anterior, de pronto-socorro estatal para famintos ESC (Empresários Sem-Capital), sequer sonharam com tanto nos seus maiores momentos de delírio.
Dos R$ 14,7 bilhões que subsistem como matéria sonante no capital das empresas de Eike Batista, R$ 10 bilhões são do BNDES, com a participação coadjuvante da Caixa com 10% desse valor. O quadro é alarmante. Num país sério, dotado de Banco Central para valer, teria resultado em liquidação extrajudicial ou, fora do âmbito jurisdicional específico, seria um caso de polícia, como reage o banco de fomento?
O BNDES, que parecia menos preocupado com o destino do dinheiro que jogou nas letras do bilionário virtual do que em continuar a pintar o cenário de cor de rosa das multinacionais brasileiras, não conseguiu mais manter as aparências.
O Estado de S. Paulo, na sua edição do dia 22 do mês passado, anunciou que o BNDES decidiu abandonar a política de criação das tais multinacionais brasileiras. O presidente do banco, Luciano Coutinho, admitiu, em entrevista exclusiva ao jornal, que o número de setores com potencial de desenvolver líderes globais é “limitado” e que essa agenda foi concluída. Insistiu em que essa política tinha “méritos” e chegou “até onde podia ir”, porque o número de setores em que o Brasil tem potencial para projetar empresas líderes é “limitado”.
Os segmentos com maior potencial eram a petroquímica, celulose, frigoríficos, siderurgia, suco de laranja e cimento. “Não enxergo outros com o mesmo potencial”, frisou.
O favorecimento a empresas dessas áreas (as “campeãs nacionais”, na classificação da imprensa) começou há seis anos, no governo Lula, quando Coutinho já ocupava o cargo de presidente do BNDES. Com empréstimos em condições generosas e compras de participação, o banco injetou quase R$ 18 bilhões nos frigoríficos JBS e Marfrig, na Lácteos Brasil, na Oi e na Fibria.
Ao fazer um levantamento, o jornal constatou que algumas dessas empresas estão em situação financeira delicada, como a Lácteos que pediu recuperação judicial, e o Marfrig. Elas serão reanimadas no pronto socorro estatal ou baixarão à sepultura em breve, se tiverem que passar a caminhar com as próprias pernas?
De olho no próprio bolso, o contribuinte brasileiro devia prestar mais atenção a essa novela. É muito mais apimentada do que as da televisão. Com um acréscimo próprio: o da interatividade negativa para o tesouro nacional.
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